EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL.
JOSÉ DIRCEU DE OLIVEIRA E SILVA, por seus advogados, nos
autos da ação penal nº 470, vem, respeitosamente, apresentar MEMORIAIS.
1. Com o máximo respeito a esta Egrégia Suprema Corte, a
Defesa registra seu inconformismo com a decisão condenatória e reitera a
inocência do Requerente, passando, então, a uma necessária exposição de fatos
relevantes para a aplicação do princípio constitucional da individualização da
pena.
Referido princípio prevê sejam analisados os fatos da vida
pregressa do sentenciado, posto que “o que se julga em um processo é,
sobretudo, o homem acusado da prática de um ilícito penal e não um fato
descrito isoladamente na denúncia ou queixa, de forma fria e técnica, o qual,
por vezes, retrata um episódio único e infeliz em meio a toda uma vida pautada
pelo respeito ao próximo.1”
1 DELMANTO, Celso. Código Penal comentado: acompanhado de
comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar
... [et al.]. – 8. ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2010. art. 59,
p. 273.
2. No caso de José Dirceu, a prova existente nos autos
recomenda a aplicação da circunstância atenuante prevista no artigo 66 do Código
Penal.
A atenuante inominada prevista no artigo 66 do Código Penal
deve sempre ser aplicada quando "existir uma causa efetivamente
importante, de grande valor, pessoal e específica do agente”2. Sua incidência
passa pela apreciação de uma gama variada de episódios, devendo ser aplicada
quando “fatos anteriores à prática do crime”3 revelarem que o sentenciado
praticou atitudes de relevante valor social 4.
Ilustrando o tema, o recente anteprojeto do Código Penal
buscou explicitar parte do conteúdo desta atenuante, mantendo o conceito já
aceito, mas definindo expressamente que a pena será atenuada quando o agente
tenha, “voluntariamente, realizado, antes do fato, relevante ato de
solidariedade humana e compromisso social”5.
A análise dos fatos relevantes da vida de José Dirceu se
inicia na década de sessenta, quando era um dos líderes do movimento estudantil
na luta contra um regime politico violentíssimo, que desrespeitava inúmeras
garantias individuais e fazia uso da tortura.
Em 1.968 foi preso ao participar de um congresso estudantil,
permanecendo encarcerado por quase um ano, quando então foi banido do país.
2 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, obra
citada. p. 165, grifamos.
3 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral,
3.ed.rev., atual. e ampl.– São Paulo: Editora Revista os Tribunais, 2010. p.
623, grifamos.
4“Assim, independentemente da época de sua ocorrência, a
pena poderá ser atenuada por circunstância relevante. Exemplo: anos antes de
cometer um crime grave, ainda não julgado, o acusado arriscou sua vida para
salvar vítimas de um incêndio ou desastre; após o cometimento de homicídio
culposo no trânsito, o agente passa a dedicar-se a difundir as regras de
trânsito em
escolas.” DELMANTO, Celso. Código Penal comentado: acompanhado
de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação
complementar ... [et al.]. – 8. ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Saraiva,
2010. art. 66, p. 307, grifamos.
5 Anteprojeto de Código Penal, artigo 81, inciso II, alínea
“g”, disponível em :http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf
Segundo consta neste processo, José Dirceu é um homem que
“dedicou sua vida à luta do povo brasileiro em defesa da democracia, defesa da
liberdade, pagou preço alto por isso, foi preso, foi exilado” (José Aldo
Rebelo, fl. 29.493, grifamos). É um cidadão que “lutou pela democratização do
Brasil, pagando com o exílio” (Luis Inácio Lula da Silva, fls. 38.635,
grifamos).
Na década de oitenta, participou da fundação do Partido dos
Trabalhadores, agremiação política de inegável importância na consolidação da
democracia brasileira.
Foi eleito Deputado Estadual por São Paulo e Deputado
Federal pelo mesmo Estado, em três oportunidades, chegando a receber mais de
quinhentos mil votos em uma única eleição. No Congresso Federal, atuou em diversas Comissões
relevantes, como, por exemplo: Constituição e Justiça e de Redação, Finanças e
Tributação, Relações Exteriores e de Defesa Nacional, Segurança Pública,
Reforma Política e Desaparecidos Políticos Pós-1964.
Sua atuação o fez “reconhecido como um dos parlamentares
mais eficientes e comprometidos” (Ideli Savatti, fls. 42.766)
Testemunhas asseguram que José Dirceu sempre “pautou sua
militância e sua atividade pública pela correção e pela idoneidade no
tratamento de todas as questões” (Paulo Adalberto Ferreira, fl. 42.366, grifamos).
Sua personalidade e conduta o fizeram “sempre
respeitadíssimo, não apenas dentro do PT, respeitado na sociedade e respeitado
pelos adversários, pela sua posição íntegra.” (Rubens Otoni, fl.42.892,
grifamos).
Independente de qualquer valoração política ou ideológica, é
fato incontestável que José Dirceu atuou por décadas em prol de importantes
valores de nossa sociedade, participando corajosamente do movimento estudantil
que lutava contra o regime militar, atuando com destaque na fundação de relevante
partido político e, ainda, exercendo mandatos parlamentares com grande
comprometimento e reconhecimento.
Portanto, a incidência do artigo 66 do Código Penal é de
rigor, uma vez que a vida de José Dirceu apresenta inúmeros fatos de grande
valor social que, no momento da fixação da pena, devem ser vistos como “uma
causa efetivamente importante, de grande valor, pessoal e específica do
agente”6.
3. Também para os fins pretendidos pelo artigo 59 do Código
Penal faz-se necessária uma criteriosa verificação da vida pregressa de José
Dirceu.
Uma correta análise do artigo 59 do Código Penal impõe uma
avaliação do “agente, em qualquer nível (personalidade, conduta social,
antecedentes, motivo), pelo que foi e fez antes do cometimento do delito em
foco”7.
Os atos praticados ao longo da vida do agente são
determinantes na ponderação das circunstâncias judiciais, uma vez que “a
conduta social pretérita do réu espelha seu caráter e personalidade”, e, no
momento da fixação da pena, “não há como fugir, nesse aspecto, de uma
culpabilidade voltada aos fatos da vida e não simplesmente ao fato criminoso
praticado.”8
6 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, obra
citada. p. 165.
7 NUCCI, Guilherme de Souza, diretor. Direito penal, parte
geral. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, (Coleção tratado
jurisprudencial e doutrinário, v. 1), p. 881, grifamos.
8 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena., obra
citada, p. 165, grifamos
4. No tocante ao delito de corrupção ativa, a pena incidente
ao caso concreto deve ser a sanção estabelecida no patamar mínimo de 1 (um)
ano, prevista no Código Penal antes do advento da Lei nº 10.763 de 12 de
novembro de 2003.
Basta notar que a denúncia, quando descreve os delitos de
corrupção ativa, afirma que os corruptores primeiro “ofereceram e,
posteriormente, pagaram vultosas quantias à diversos parlamentares federais” no
intuito de obter apoio político (denúncia, fl. 95, grifamos).
Vale lembrar que a consumação do crime do artigo 333 do
Código Penal se dá com o oferecimento da vantagem, e não com o efetivo
pagamento, ou seja, “caso o agente ofereça ou prometa e, depois, venha a dar a
vantagem indevida, a conduta de dar constitui mero exaurimento do crime, uma
vez que este já se consumou com o oferecimento ou promessa”. 9
A denúncia, ao narrar o apoio político decorrente do
oferecimento de vantagem pelos corruptores ativos, expressamente menciona a
atuação de todos os parlamentares “na aprovação da reforma da previdência (PEC
40/2003 na sessão do dia 27/08/2003) e da reforma tributária (PEC 41/2003 na
sessão do dia 24/09/2003)” (denúncia, fls. 103, grifamos).
Portanto, a denúncia afirma taxativamente que todos os
parlamentares já estavam corrompidos nos dias 27/08/2003 e 24/09/2003. Estas
datas, conforme a acusação aceita por esta Corte, ilustram o apoio político
prestado após o aludido oferecimento de vantagem indevida.
9 DELMANTO, Celso. Código Penal comentado: acompanhado de
comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar
... [et al.]. – 8. ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2010. art. 59,
p. 952.
A estrutura narrativa da denúncia oferece uma única
conclusão logicamente possível, no sentido de que o suposto oferecimento de
vantagem ilícita, para todos os parlamentares, se deu em data anterior aos dias
27/08/2003 e 24/09/2003.
Assim, por força da irretroatividade da lei penal mais
gravosa, não se pode aplicar ao caso concreto as penas da Lei nº 10.763 de 12
de novembro de 2003.
5. Diante do exposto, requer-se a aplicação da circunstância
atenuante prevista no artigo 66 do Código Penal, a valoração das circunstâncias
judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal em favor do Requerente e a
inaplicabilidade da Lei nº 10.763 de 12 de novembro de 2003.
Termos em que,
Pede deferimento.
De São Paulo para Brasília,
Em 22 de outubro de 2.012.
JOSÉ LUIS OLIVEIRA LIMA
OAB/SP 107.106
RODRIGO DALL’ACQUA
OAB/SP 174.378
______________________________________________________
Solicitação toda baseada nas teses do ministro Lewandowski apresentadas na AP 470. Se for acolhida, sou legalista, contribuinte, eleitor, e me conformo com as decisões da justiça. Cumpra-se.
Art. 66 - A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância
relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista
expressamente em lei. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Citado por 1.026
REVISÃO CRIMINAL. DOSIMETRIA DA PENA. TERMO MÉDIO. POSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO. ATENUANTE INOMINADA (ART. 66 DO CÓDIGO PENAL).DESCABIMENTO.66 CÓDIGO PENAL- A Revisão Criminal objetiva a desconstituição de uma sentença condenatória transitada em julgado e deve ficar adstrita às hipóteses taxativas enumeradas na lei (art. 621 do CPP). Impossibilidade de reavaliação do peso atribuído às circunstâncias judiciais relacionadas no art. 59 do Código Penal, principalmente quando não demonstrada injustiça flagrante na fixação do quantum da pena. Hipótese em que as circunstâncias judicias desfavoráveis autorizaram a elevação da pena-base próxima ao termo médio.Inexistência de circunstância relevante à aplicação da atenuante inominada, prevista do artigo 66 do Código Penal.621 CPP 59 Código Penal 66 Código Penal
JOÃO FIGUEIREDO
Ibrahim Abi-Ackel
DOU 13/07/1984
(35902 RS 2005.04.01.035902-1, Relator: MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Data de Julgamento: 16/03/2006, TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 05/04/2006 PÁGINA: 407)


